Mais do que vinho: Perspectivas sobre os valores locais e as paisagens da vinha

Thursday, 24th March 2016
Mais do que vinho: Perspectivas sobre os valores locais e as paisagens da vinha

 

Por Klara J. Winkler e Kimberly A. Nicholas

 

As paisagens da vinha fornecem não só vinho, mas também uma variedade de benefícios que tanto os residentes locais como os visitantes valorizam. Estas paisagens funcionam como imagens de marca para as suas regiões, atraem visitantes, inspiram artistas, servem de locais para actividades espirituais como os casamentos, criam identidade local, e representam o património cultural e as tradições. Estes aspectos são considerados serviços culturais do ecossistema: as variadas formas com que a natureza nos fornece satisfação e realização pessoal, além de providenciar bens essenciais como alimentos e água, e funções fundamentais como a regulação do clima.

 

Todo a gente já beneficiou destes serviços culturais da natureza, desde crianças alegres a chapinhar numa poça, até grandes escritores e artistas que se inspiram na envolvente natural. No entanto, estes benefícios podem ser difíceis de medir e, até agora, nenhum estudo avaliou exaustivamente os benefícios não económicos das paisagens da vinha.

 

Pela primeira vez, o nosso novo estudo, parte integrante do projecto europeu de investigação OPERAs, mediu estes valores em Sonoma e Napa, na Califórnia, e no sudeste de Inglaterra, verificando que os produtores de vinho e os residentes locais podem ser considerados grupos distintos no que diz respeito aos diversos valores que detêm e às preferências que demonstram em relação às paisagens da vinha.

 

Para revelar estes valores, inquirimos residentes e produtores de vinho locais, e pedimos-lhes para classificar afirmações representativas de diferentes serviços culturais do ecossistema prestados pelas vinhas, encontradas na literatura académica e em websites de produtores de vinho, usando uma abordagem chamada Metodologia Q. Desta abordagem surgiram oito perspectivas dominantes sobre as paisagens da vinha (Tabela 1).

 

Comparando as duas regiões, podemos concluir que, em Inglaterra, as vinhas representam uma alteração do uso do solo nem sempre desejável para os residentes locais que valorizam a Conservação do uso do solo tal como se encontra actualmente (Tabela 1), ao passo que na Califórnia as vinhas podem representar a conservação da natureza e a tradição. Em Inglaterra, os produtores de vinho concentram-se na sua interacção profissional com a paisagem através da Ciência ou da Experiência vitivinícola, e são geralmente mais receptivos às paisagens da vinha do que os residentes locais (Tabela 1). Já os produtores de vinho na Califórnia, segundo uma perspectiva de Tradição, valorizam os serviços culturais do ecossistema que estão directamente relacionados com a produção vitivinícola, como a singularidade do vinho e da paisagem da vinha, enquanto os residentes locais enfatizam os benefícios da conservação da natureza em vinhas, o enoturismo ou as oportunidades de Recreio na região.

 

Tabela 1. Oito perspectivas sobre as paisagens da vinha identificadas a partir de produtores de vinho e de residentes do sudeste de Inglaterra (UK), e Sonoma e Napa, Califórnia, (CA) inquiridos neste estudo. As perspectivas foram identificadas a partir de uma análise estatística do grau de concordância dado pelos participantes a 44 afirmações representativas de 11 classes de serviços culturais do ecossistema (assinalados com texto colorido). As diferentes perspectivas foram por nós denominadas de acordo com as características principais descritas.

Ademais, verificámos que os produtores de vinho e os residentes locais detêm valores diferentes para as paisagens da vinha. Por exemplo, os produtores de vinho da Califórnia valorizam especialmente o sabor particular ou o Terroir do vinho da sua região (Figura 1), e vêem-se como responsáveis por manter uma Tradição que deve ser preservada no futuro. Em contraste, muitos residentes locais preferem os serviços para além da produção de vinho, mas prestados pelas paisagens da vinha, como por exemplo, actividades  de Recreio como as degustações de vinho, os festivais, ou os passeios de balão (Figura 1). Os residentes locais também apreciam a estética das paisagens da vinha e a vertente educativa prestada pelas excursões às vinhas. Isto demonstra que a experiência pessoal e a utilização quotidiana da paisagem moldam a forma como esta é valorizada, podendo tais valores evoluir com o tempo.

Figura 1. Ilustração de duas das oito perspectivas dos residentes e produtores de vinho locais que identificámos a partir desta pesquisa, com base na análise das respostas dos participantes de um inquérito no qual classificaram afirmações provenientes da literatura académica e de websites de produtores de vinho, afirmações estas que representavam serviços culturais do ecossistema. Cada secção do gráfico representa a magnitude da valorização que a perspectiva atribuiu ao serviço cultural do ecossistema. Os produtores da Califórnia possuem a  perspectiva de "Terroir", valorizando substancialmente o legado (gerações futuras), as vivências e as actividades educativas, atribuindo contudo pouco valor às actividades de recreio. A afirmação melhor classificada nesta perspectiva foi "o vinho deve ser como uma impressão digital tirada à terra – uma expressão única do que a vinha pode alcançar." A perspectiva “Recreio” está incutida nos residentes da Califórnia, que valorizam principalmente os benefícios provenientes do turismo e recreio, sendo a afirmação melhor classificada "as vinhas atraem actividades de recreio valiosas como festivais e passeios de balão.”

Este estudo proporciona um enquadramento para os governos locais e para os vitivinicultores poderem usar quando considerarem mudanças do uso do solo. Demonstrámos que as pessoas preferem diferentes serviços prestados pelas vinhas e, portanto, têm diferentes exigências para a paisagem de acordo com as suas experiências pessoais e com o seu contexto local. Assim, as decisões de governança e gestão afectam não apenas as uvas, mas também as comunidades locais. Ao alterar o uso dos terrenos agrícolas, os responsáveis pela gestão do uso do solo têm de ter em consideração os valores locais e a forma como os habitantes da região estão culturalmente enraizados na paisagem.